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ARTIGO

Impunidade coloca saúde em risco no Brasil

Sandra Franco* Sandra Franco | terça, 20 de fevereiro de 2018 - 17h19
Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde - Foto: Caio Prates

A impunidade estimula a existência de delitos, vícios e corrupção. Não obstante, ainda que seja uma verdade inconteste, no Brasil falta a punição exemplar. Por consequência, várias setores no país, entre eles o da saúde, correm sério perigo.

A má gestão de recursos, fraudes constantemente anunciadas pela mídia e a atuação de criminosos de branco deixam a vida do brasileiro por um fio e comprometem a confiança do paciente no Sistema de Saúde. Além do agravamento da crise da febre amarela, que tem provocado filas quilométricas em postos de saúde e até a falsificação de vacinas, destaca-se um novo escândalo que alarmou os profissionais do setor: a reutilização de equipamentos e materiais médicos descartáveis.

Uma matéria especial do programa dominical Fantástico revelou que um quadrilha atuava(ou atua ainda) no estado do Espírito Santo. Empresas, funcionários de hospitais e médicos fazem parte da rede criminosa que colocava pacientes e profissionais em risco de vida diário. Na verdade, a maioria dos materiais deveria ser jogado no lixo. Outros, deveriam ser esterilizados e reprocessados dentro de normas rígidas.

Empresas estavam reutilizando produtos descartáveis, o que é proibido e inadmissível. A quadrilha usava esse expediente para ter um preço de mercado abaixo da concorrência. Um crime que pode ter tirado vidas e provocado uma série de problemas graves de saúde como infecções, cirurgias mal sucedidas, entre outros.

A norma brasileira é clara em relação à proibição do reuso. Produtos de uso único (descartáveis) e produtos com rótulo "Proibido Reprocessar" não podem em nenhuma circunstância passar por qualquer processo de reutilização. Mas alguns criminosos insistem em atuar no mercado sem seguir essas recomendações e colocando vidas e até carreiras de profissionais da saúde em risco. Ou seja, no Espírito Santo e possivelmente em outros estados do Brasil, vive-se uma roleta-russa em relação aos materiais e equipamentos utilizados em cirurgias.

O Senado está discutindo um projeto de lei que estabelece que empresas que reprocessam materiais de uso único poderão ser até fechadas – a ideia é a de endurecer as penalidades. De acordo com o autor da proposta, senado Telmário Mota, a Resolução 156 de 2016, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que trata do tema, já seria insuficiente.

Tal resolução que regulamenta o reaproveitamento de equipamentos, aparelhos, materiais, artigos ou sistemas de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, determina quais produtos podem ser reprocessados e reutilizados e os procedimentos empregados após limpeza, desinfecção e esterilização. Mas, apesar da regra existir desde 2006, não vem sendo respeitada. O projeto pretende assegurar que a reutilização de produtos de uso único torne-se uma infração sanitária legalmente estabelecida, sendo passível das penalidades previstas na Lei 6.437/1977.

As sanções estabelecidas no projeto para esse tipo de infração são advertência, multa, interdição total ou parcial do estabelecimento e cancelamento de autorização para funcionamento da empresa. Vale ressaltar que, em paralelo, os envolvidos responderão criminalmente, pois neste caso se pratica um crime contra a saúde pública, além de danos morais, materiais e estéticos para os pacientes, possíveis de serem requeridos na esfera cível.

Ainda que haja a regulamentação da atividade e a previsão de penalidade, pessoas acham que jamais serão descobertas e estão há anos ganhando dinheiro de forma ilícita. Desta forma, fácil concluir que o problema não será resolvido com um nova lei, mas sim com o aumentos de fiscalização e com a punição efetiva naqueles casos em que tais práticas forem constatadas.

Não é o primeiro escândalo anunciado pela mídia, o que faz pensar que a sociedade e as autoridades sabem da prática dessas fraudes. Em 2017, o Hospital das Clínicas em São Paulo foi acusado de usar agulhas e fios sujos, usados e vencidos – não há notícias das efetivas punições dos envolvidos. Há época, falou-se no desvio de 18 milhões em 5 anos – dinheiro que deveria ser utilizado para compra de novos materiais.

Também não se afasta do manto da criminalidade, o uso de próteses em procedimentos cirúrgicos cardiológicos e ortopédicos, sem que haja indicação para tal. Materiais importados dos EUA e reutilizados em nosso país. Enfim, casos não faltam...

O apelo é para que as autoridades realizem um verdadeiro pente-fino para fiscalizar os materiais e equipamentos médicos que estão sendo utilizados nos hospitais e clínicas brasileiros. Não somente as autoridades, mas também os diretores clínicos, diretores técnicos, que não podem fechar os olhos. São necessárias medidas imediatas. Chega de assistir a esses relatos e denúncias de forma passiva.

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública

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